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Sonho

Eu sei que muito me repito, Em voos de angústia, abismos, Mantras obsessivos Que inebriam o espírito e a alma, Braços noturnos com dedos longos, Que sufocam, Até sentir que a luz conquista a sombra, Um novo cântico brota de súbito E a esperança acontece, impoluta Orvalho vivo à espera de acordar

Caos

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Momento do caos, brancura ácida, Ruído que me agarra e ensurdece Frenesim da dúvida. A escuridão, táctil. Depois o silêncio, a fuga às palavras ... A paz, opalina e grácil. Singular Círculo infinito, espiral cósmica E as mãos, libertas, prontas para orar

O que importa

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Nada importa, a não ser o que importa O que é da alma e dela extravasa Ou nos consome O amor, o ódio, o bom, o belo A ternura que se eleva para lá das trevas E nos melhora Ser parte do princípio e do final do mundo, Daquele que existe porque existimos E do que existe para além de nós Crédulos humanos à espera do divino E se conformam em não ser mais que pó

Nada...

Mais quinze anos..., menos? E serei nada... O que vejo, oiço, sinto... Será nada... Não haverá luz, nem negro... Nem alvoradas, vento, odor do mar... Abraços, risos, terra molhada... Nada... Onde estarei? Tudo o que sou será apenas nada? Lirio a nascer, berma da estrada...

Amo-te

Amo-te no silêncio, que é de ouro E as almas se tocam pelo olhar Amo-te sem a prata das palavras Que se limitam a arrancar a máscara E deixo de lado, os artifícios, o ruído Tudo o que é demais e me consome Porque apenas o teu abraço importa, À minha espera, fiel como a manhã Enquanto a vida foge, igual ao tempo Que escapa fácil e nos passa à frente

A perda

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Todos os dias a perda é navio Que arrasa as vagas e as supera, À procura do porto inexistente E da baía onde a dor se acalma Onde a ferida se esquece da origem, As lágrimas secam na nascente, Já esgotada, e a mágoa amansa, Impedida de passar a margem E mais um dia, um mês, um ano O tempo nada cura, é um engano, Porque a dor é galope em desatino De cavalo doido, a correr sem freio, Depois de dócil ter andado à rédea, Esquecido do odor do desafio, Da dor da espora, da espera

Espírito Livre

Frágil sou e difícil, como água, Que nunca se controla, nem se pára Espírito livre, à espera de ser garra, Águia a voar sem ter amarras A que se turba com o cantar do mar, O velho que tropeça de cansaço, Ou a luz do sorriso da criança A que se curva perante a singeleza De quem ama a vida sem limites, Abraça a mágoa pela margem E diz uma prece sem palavras Ao Deus do qual não tem imagem

Noite Negra

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Hoje a noite é negra, de cuidados E da minha alma sair por aí fora Pássaro a voar em círculos pequenos, Diminutos, à procura do secreto Esconderijo, onde a bruma me protege E a dor amadurece sem ar nem folga Hoje a noite é de gritos engolidos, Passos sem sentido e um luar calado, Sem mistério nem palavras de amanhã Onde o mundo deixou de ser abrigo A casa um lugar de colo e ânimo E o abraço se perdeu de tão perdido

Pássaros

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Os pássaros elevam-se às alturas Porque julgam que as suas asas São de Anjo E o Homem, altivo e sempre Preso à terra pelo corpo exangue Roga em altares de ódio e euforia, Pelo tempo que não tem Ignorando que da morte vem a vida E só ela lhe permite ir mais além...

Mãe

Mãe de abraços, correrias e cansaços Cheia de risos, conversas atabalhoadas E um amor silencioso, aos pedaços Mãe que foi menina, mulher depois, À espera que a vida acontecesse, Capaz de calar medos e ensinar a amar Ombro livre para as muitas lágrimas, E colo secreto e frágil a cheirar a rosas Porque é que Deus, te abriu os braços E não te fez eterna como os astros ?