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Expontâneo

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E o beijo aconteceu Expontâneo, solto, pássaro a voar Flor colhida sem desabrochar E depois o sabor da boca e o hálito estranho, a tontura inesperada As mãos finas, revolucionárias, A desbravar o deserto do corpo Salgado e ávido E a espera, à espera do inevitável Derreter enternecido da pele, Da explosão do magma, Do grito mudo, A calar palavras não imaginadas E o retorno do ar, súplice Até o tremor calar as lágrimas

Hoje é o dia

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Hoje é o dia Em que as palavras temem Ser acorrentadas à mágoa, Perderem o sentido E viverem das memórias Hoje não há beijo, abraço, Vozes a cantarem, Um ano mais, muitos… E a ausência é palpável, Mais palpável Uma sombra, uma luz, Às vezes um som, como se Pequenas pedras batessem Na janela Um sorriso de despedida, na velha fotografia Uma borboleta branca, A voar sem tino Efémera, eterna

Fealdade

A beleza confunde-me os sentidos E leva-me às lágrimas qualquer que seja a hora E a fealdade que existe em toda a parte? Dela não faço mantra, não me importa

Margem do Rio

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Antes era a noite E a escuridão contida, iluminada Até o vento levantar o pano E a vida pôr a descoberto A margem do rio, a flor do Mar Noite das fronteiras do tudo e nada Das viagens pela pele e a seda Pelas casas assombradas Noite de afastar memórias que gritam ao rasgar o espírito, Ao calar o pranto inconsolado No vaivém da angústia, do prazer, Da carne que se solta e se compraz

Momento

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Devo ter entrado no túnel Mas não me lembro do negro, Da luz ao fundo, dos anjos … Os mortos amados também não se mostraram, esquecidos ou Talvez espantados E foi um segundo, um quântico Abri os olhos e voltei a olhar O mundo ainda existia, eu também

Esperança

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Não falo do passado Nem do mundo novo que há de vir, Nem da mágoa constante Apenas dos pássaros que me visitam Todas as manhãs, Do tempo desperto e limpo E das nuvens num vaivém Depois há a noite que finjo não ver, Incendiando-a de luzes múltiplas E sons estereofónicos, absurdos, Centro deste meu universo Construído dor a dor Até tu amor amado, que tentei Preservar do turbilhão, Do muito que invento e sinto, Acabe a descobrir a aurora Que sempre guardei no peito, E a minha sombra assombrada Se perca por fim no infinito

O Sopro

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Sinto-lhe às vezes o sopro suave, De quem vem sorrateira para espiar Se a ocasião é a mais certa ou Qual a maneira correcta de actuar E até lhe noto o odor, bem peculiar, Uma mistura de incenso com jasmim Que entontece e quase faz desmaiar E é o aviso perfeito para fugir, Ou ficar quieta como estátua À espera que não me veja a sombra E me deixe mais tempo para escapar Porque tão perfeita a vida é, só por si E tão bela de sentir e desfrutar Que nem o último beijo quero sentir Porque me pode impedir o respirar Apenas o chamamento, se divino Quando for hora do espelho se quebrar

Deserto

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Há um dia de inventar Abraços e beijos e cansaços Dia de culpas, raivas, lágrimas De sombra, feitas de remorsos Envergonhados e lírios baços Dia parado no tempo, agarrado À alma, insidioso e traiçoeiro Que se apraz na dor, ano a ano, Enquanto a ausência se impõe Tão verdadeira que corrói o ânimo E nos seca os olhos desvairados Deserto a querer ainda ser humano

Revelação

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Do belo, sei o arrepio, A comoção assombrada e muda E a lágrima que assoma inesperada, Parecendo esperar revelação divina Depois chega o espanto, límpido Aos olhos sempre deslumbrados E o coração cheio, de calor, de frio, De cantos e contos, encantados Como se fora a criação do mundo, O nascer do verbo, o saber do pecado

Ser mulher

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Adoro ter corpo e alma de mulher, ainda que olhada de lado, falada, suspeitada Vista como coisa rara, múltipla, alucinada, que se divide, e é tudo e nada "Caixa de Pandora" que um qualquer Deus criou, por distração, sem saber que iria lidar com uma benção Mulher sempre, delicada, feroz, fonte de vida, nunca sentida suficiente, por si só, que crê que a beleza e o amor são do mundo o desígnio, o fim real Mulher jamais calada, amordaçada, orgulhosa do espírito, da razão capaz, do poder de gritar pára, a quem a trata por diferente A que se cumpre quando respira, se ilude e ama e é do fogo da vida a maior chama